Ensino domiciliar ou Homeschooling

Em 19/05/2022, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 3.179 de 2012 (agora no Senado Federal como Projeto de Lei n° 1338, de 2022), que autoriza o ensino domiciliar ou homeschooling. Embora seja uma realidade em alguns países como a Bélgica e os Estados Unidos é proibido em diversos outros como, por exemplo, a Alemanha, a Espanha e a Turquia.

No Brasil, desde a chegada da Família Real ao país, houve a emissão de claros comandos de escolarização. Em 1827 foi publicada a primeira lei que impunha a criação de escolas em todas as vilas e lugares populosos. Em 1834, a monarquia cria a primeira escola de formação de professores. Em 1890, o Ministro Benjamim Constant reforça tal orientação, mas com foco no ensino superior. Já na república, em 1920 é iniciado o movimento escola nova, do qual Anísio Teixeira tem grande influência. Em 1930, Getúlio Vargas organiza e sistematiza a educação com a criação do Ministério da Educação e as Secretárias Estaduais de Educação. Em 1934, a constituição passa a dedicar um capítulo inteiro à educação e à escolarização.

Mais recentemente, atendo à tradição de escolarização, a Constituição da República passou a tratar da permanência da escola, da gratuidade e acesso ao ensino público em estabelecimentos oficiais, do dever com a educação básica dos 4 aos 17 anos e de programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde, além de fixar a matrícula obrigatória e a facultatividade apenas para o ensino religioso. Isso sem se falar na estruturação de repartição de receitas entre os entes públicos com a finalidade de subsidiar essa política de estado, com o desiderato de proporcionar a universalização do atendimento escolar.

No plano legal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei do Programa Bolsa Família (LPBF) e o Código Penal (CP) estão todos orientados à proteção dos comandos constitucionais de escolarização. A primeira lei trata de estabelecer o princípio de igualdade de condições de acesso e permanência na escola, valorização da educação escolar e do profissional de ensino. O ECA, em seu art. 55, obriga os pais ou responsáveis a matricularem seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino, podendo a autoridade competente determinar a referida matrícula se ela não houver sido estabelecida por quem de direito. A LPBF exige a frequência de 85% em estabelecimento oficial de ensino. O CP, no art. 246, criminaliza a conduta de “deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária a filho em idade escolar”.

No que pertine à jurisprudência constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece os ditos comandos de escolarização: “impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.” (RE 436.996 e RE 410.715 AgR). Essa mesma lógica decisória foi mantida na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.° 17 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.° 292, por exemplo.

Um caso individual muito famoso (RE n.° 888.815), julgado pelo STF, diz respeito aos pais de uma criança que requereram à Autoridade Pública local sua dispensa da frequência escolar para que fosse educado em casa, pois os responsáveis discordavam sobre a necessidade de convivência da criança num meio heterogêneo. Embora a Corte Constitucional tenha retratado que não fez análise da constitucionalidade da lei que trate de homeschooling porque ela não existe, aquele caso deu origem a emissão do Tema-STF 822: Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”.

Assim, desde que interpretado o ensino domiciliar como um comando de desescolarização, todo o ordenamento jurídico, seja no plano constitucional, legal ou jurisprudencial, foi estabelecido de modo incompatível com ele.

A conclusão a que se chega é que sua regulamentação é inconstitucional e para ser viabilizada necessita de emenda constitucional, sem prejuízo à hipótese de que a Corte Constitucional brasileira entenda que a escolarização é uma regra constitucional super fixa e que, de qualquer modo, não pode ser alterada.